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quarta-feira, 31 de março de 2010

31*QUA* (Quase) superando Babel


Porto Alegre Ano 4 # 1336

Ontem anunciara aqui, que nesta Quarta-feira Santa, ofereceria petiscos de um texto que escrevi que deve se tornar um capítulo de uma obra acadêmica a ser escrita por pesquisadores da área de Ensino de Química. Não imagino que algum leitor tenha acessado hoje esse blogue tendo como meta saborear aqueles pitéus. Se tal aconteceu, peço, respeitosamente, para frustrá-lo. Hoje se dirá aquilo que Camões – e nesta cita minha manifesta homenagem aos meus leitores de Portugal, país onde depois do Brasil, tenho leitores de um número mais variado de cidades – cantou: “Cesse tudo que a musa antiga canta, pois valor mais alto se alevanta!”

Ora direis: o que faz mudar assim a pauta? E mais, postergar o aperitivo, talvez, para depois da Semana Santa, pois acredito que amanhã e sexta-feira devo trazer evocações de Semanas Santas.

Eis o fato novo: desde ontem esse blogue tem mais uma inovação: um tradutor para dezenas de idiomas ‘powered by’ Google. O incremento surgiu pela manhã num teclar com meu colega Jairo, quando comentávamos o quanto, para aqueles que não falam português, nossos textos são bastante inacessíveis.

Tenho, ainda muito presente, o que evocava aqui, no em 03 de março, dia imediato aquela que foi a fala mais exótica de minha vida, na Læreruddannelsen Aalborg do University College Nordjylland, uma escola de formação de professoras e professores.

Escrevi então, e concedam-me absolvição pelo autoplágio, que uma vez mais, lamentava muito que um dia tenha havido a tentativa de alguns semitas ambiciosos em construir a Torre de Babel. Isso já me prejudicou / prejudica em minha vida. Isso deve ocorrer para bilhões de humanos. No passado, quando não havia os tradutores como o do Google isso era ainda mais dramático. Acredito que os únicos que lucraram / lucram / lucrarão com a tentativa de chegar aos céus por meio de uma torre são os tradutores e os editores de dicionários.

Fiz então uma brincadeira, comentando que Jeová não foi nada misericordioso e muito menos um bom camarada. Poderia apenas ter mandado um tufãosinho ou uma simples soprada sobre a torre. Se não houvesse tomado a radical decisão de embaralhar as línguas (um pedia tijolo e outro alcançava uma pá; um queria água, outro entregava uma corda) e hoje todos falaríamos a mesma língua em todo o mundo. Há muitas representações desta mítica narrativa. Talvez a mais célebre é A Torre de Babel (abaixo no centro) de Pieter Brueghel, "O Velho" (para distingui-lo de seu filho mais velho) (Breda, 1525/1530 — Bruxelas, 9 de setembro de 1569) considerado um dos melhores pintores Flandres do século 16.


Naquela palestra em Ålborg não poder me comunicar melhor com aquelas e aqueles que me ouviam tão atentamente foi doloroso. As dificuldades, entretanto, não foram só minhas. Eu sou imensamente grato a Jette Schmidt, professora de Geografia do University College e aluna de doutorado em Science Education na Ålborg Universitet. Ela teve um desafio tão grande quanto o meu. Não sendo falante de nenhuma língua latina, traduziu para o dinamarquês meu inglês que é muito pobre. Como comentei, tanto a Jette quanto eu tivemos a ajuda muito preciosa das lâminas que trouxera com toda a palestra inglês. Todavia, se eu não tivesse sua ajuda, a palestra seria para ouvidos moucos. O mais difícil foi responder questões formuladas pelos estudantes em dinamarquês e traduzidas para o inglês, quando então eu não tinha a ‘cola’ em Power Point. Mesmo sabendo que ela não me lerá aqui, uma vez mais, faço público meu profundo reconhecimento.

Claro que sei que esse tradutor, que desde ontem incrementa este blogue, não é uma panaceia maravilhosa. Ensaiei algumas verificações. Por razões óbvias, fiz essas verificações em espanhol.

Eis o primeiro parágrafo de ontem: Já estamos na terça-feira santa. Depois de saboreado gratificações intelectuais com a aula na UAM: Universidade do Adulto Maior ontem, prelibo para essa noite aulas de Prática Pedagógica com o grupo da filosofia. Em meio esses ágapes enviei um texto para ser um capítulo de um livro. Amanhã quero oferecer, aqui, petiscos dele. Falando em manjares algo não metafórico começa hoje em Porto Alegre a edição número 230 da feira do peixe, marca ‘religiosa’ da semana santa.”

Há algumas imprecisões dramáticas: ‘terça-feira santa’ passou para ‘martes viernes’ isso os robôs que fazem a tradução associam ‘...feira-santa’ a ‘sexta-feira’. O ‘grupo da filosofia’ ficou ‘la filosofía del grupo’. Os ‘ágapes’ transformaram-se em ‘festas de caridade’. Essas parecem ser as ‘falhas’ mais evidentes dos robôs do Google, em apenas meia dúzia de linhas.

Não tenho como imaginar em que ficou transformado meu texto, quando me contemplei escrito em caracteres cirílicos, até porque esse blogue tem sido acessado na Rússia. Claro que me maravilhei ver-me escrito em iídiche ou em chinês, só não sei o que os robôs podem ter feito com ‘ a 230ª feira do peixe.

Sei que um dos recursos para minimizar esses erros é escrever frases menores e cuidar com uma estrutura mais canônica: sujeito, verbo e predicado. Não sei se vale à pena sacrificar o estilo em detrimento de possíveis leitores. Acredito que, salvo que esteja fantasiando, leitores que desconhecem o português, possam ter uma ideia de qual é o assunto da blogada.

Claro que equívocos de tradução não cometem apenas os robôs; nos humanos também. Há não muito a palavra ‘prolixo’, em espanhol, ‘prolijo’ ofereceu problemas, por significados opostos, pelo menos em uma de suas acepções. Eis registros nos dicionários. Em português: Que cansa ou entedia = enfadonho, fastidioso e em um dicionário espanhol: hacer algo con esmero, con cuidado. Já imaginei que, com o concurso de leitores hispanohablantes, poderíamos produzir uma sumarenta blogada acerca de palavras com significados díspares. Nesse exemplo a sugestão e o convite.

Com desejo de lermos amanhã aqui votos de uma muito boa quarta-feira, nessa semana que é Santa.

terça-feira, 30 de março de 2010

30*TER* Diga SIM à água da torneira

Porto Alegre Ano 4 # 1334


Já estamos na terça-feira santa. Depois de saboreado gratificações intelectuais com a aula na UAM: Universidade do Adulto Maior ontem, prelibo para essa noite aulas de Prática Pedagógica com o grupo da filosofia. Em meio esses ágapes enviei um texto para ser um capítulo de um livro. Amanhã quero oferecer, aqui, petiscos dele. Falando em manjares algo não metafórico começa hoje em Porto Alegre a edição número 230 da feira do peixe, marca ‘religiosa’ da semana santa.

Zero Hora publica um muito bom caderno dedicado à proteção do ambiente natural: NOSSO MUNDO SUSTENTÁVEL. Ele tem um demérito: é patrocinado por uma dos maiores oligopólios do setor fumageiro do mundo. A situação não é diferente quando vemos uma mega-empresa papeleira, plantadora do eucalipto – predador do solo comentado em ‘Sete escritos sobre educação e ciência’ quando falo das vinganças da tecnologia – patrocinar no Rio Grande do Sul as celebrações do dia da árvore, disse que isso era o mesmo que contratar uma empresa funerária para patrocinar uma festa de batizado de criancinhas.

Mas atentos às recomendações de um texto evangélico (apócrifo) ‘Usemos os excrementos do demônio para adubar as vinhas do Senhor’ trago aqui um texto da edição de ontem do caderno antes referido: Diga sim à água da torneira que merece consideração.

A autora questiona se água das garrafinhas é obrigatoriamente limpa ou se a água da torneira só pode ser usada para lavar louça e tomar banho. Annie levanta ainda a dúvida: as garrafas plásticas são recicladas? No vídeo (disponível em http://storyofstuff.org/bottledwater/), ela responde essas e outras perguntas e ainda apresenta dados preocupantes.

Uma ao lado da outra, as garrafas plásticas consumidas pelos norte-americanos em uma semana poderiam dar mais de cinco voltas ao redor da terra. Ficou preocupado?
Pois no desejo de fazer com que você diga não às garrafinhas, a americana ainda conta que a energia e o óleo usados para produzir o plástico das garrafas nos Estados Unidos poderiam abastecer um milhão de carros.
A solução, segundo ela, passa por investimentos em infraestrutura pública para o tratamento da água da torneira e pelo controle da poluição. Pensando no faça você mesmo, Annie dá a dica: Compre uma garrafa reutilizável (como as de alumínio) e diga sim a água da torneira.

Adito a esse texto, algo que está no capítulo ‘A vingança da tecnologia’ do Educação conSciência: sem fazer atualização de valores:

Não ter acesso à água potável é resultado de pelo menos dois fatores: à natural

escassez do líquido se soma a ineficiente administração, a falta de instituições apropriadas, a inércia burocrática, a corrupção etc. Esta última traz junto de si as continuadas tentativas de privatizar a água, transformando-a em mercadoria regulada pelas leis de mercado. Essa corrupção usualmente começa com a deterioração da qualidade dos serviços públicos para constranger a população a adquirir água de particulares para assim se demonstrar a ineficiência da gestão da água como um bem público e como conseqüência se mostrar a necessidade da intervenção da iniciativa privada. Um índice dessa situação é o significativo aumento em nossas cidades da distribuição, ou melhor, da venda de água em bombonas plásticas; em muitas situações, sem nenhum controle da qualidade da mesma. Vale verificar o quanto estamos sendo educados para não tomarmos água da torneira. Há não muito tempo vi uma falaciosa análise festejando o anunciado aumento no

consumo de água mineral como um sinalizador do vigor de nossa economia. Isso é no mínimo taxar-nos de burros, pois sabemos quais as razões para esse festejamento. Há países da América Latina, onde se descuidou de tal maneira a distribuição da água como bem público que pareceu natural a privatização. Verifica-se, então, que são as mesmas empresas que adquirem o controle da água, que vendem a água engarrafada.

Recentemente fomos bombardeados por folhetos e outdors com a ‘amigável’ pergunta: Proteger a sua família das bactérias não vale R$ 39,90*? No asterisco se ficava sabendo que esse valor era por mês. Chega ser acintoso se mostrar a necessidade a alguém que ele deveria proteger a família, purificando a água que compra, pagando por um aparelho, a cada mês mais de 13% do salário mínimo. Não é ofender a um trabalhador sugerir que ele deva proteger sua família assim?

Com votos de uma terça-feira, espero que apreciem os petiscos anunciados para amanhã.

segunda-feira, 29 de março de 2010

29*SEG* ÁGUA VIRTUAL ¿O que isso?

Porto Alegre Ano 4 # 1334

Uma segunda-feira de uma semana muito especial. É a Semana Santa. No meu ser memorista, por esses dias, quero comentar a minha mais espetacular Semana Santa na Andaluzia em 2002. Hoje. Esta postagem já ocorre depois de uma hora de Academia.

O domingo teve as marcas da chegada da Gelsa. Despertar vagabundo como deveriam ser todos os dominicais, leituras de jornais, inclusive os velhos que foram selecionados para o retorno. Visitas pela manhã da Liba, Sílvia, Laura e Antônio. Sestas sem horário e especialmente sem culpas. Ao anoitecer a visita de dois trios queridos: Bernardo, Carma e Maria Antônia e Clarissa, Carlos e Maria Clara, Eles tornaram desconhecida a pacata e comportada Morada dos Afagos de domingos anteriores. Agora tudo era festa, como mostra o reencontro da Gelsa com as duas netas e também como elas transmutaram a casa.


Algo perseguido por este blogue é fazer alfabetização científica, dentro uma concepção muito ampla de alfabetização científica. Assim falar de apocrifia – como duas vezes na semana que passou – ou comentar sobre mentefatos ou neopatia ou falar de sagu, de arenque, de fábula econômica, do ano darwiniano ou do copernicano, da babá de Descartes ou relatar viagens ou trazer os diários de um mestre-escola – só para referir assuntos de algumas blogadas – é estar fazendo alfabetização científica, por mais díspares que tais assuntos possam parecer. Pois hoje o assunto é ‘Água virtual.’

O pai do conceito de ‘água virtual’ John Anthony Allan que nos ajuda nesta blogada. Ele é professor no King’s College de Londres e na Escola de Estudos Orientais e Africanos. Pioneiro em conceitos chave para a compreensão e a divulgação das questões referentes à problemática da água e à sua conexão com a agricultura, as mudanças climáticas, a economia e a política, Tony Allan foi laureado com o “Prêmio da Água de Estocolmo 2008” (2008 Stockholm Water Prize).

Na entrevista que aceitou conceder, por e-mail, à IHU On-Line/Unisinos – mais uma vez é fonte para este blogue – afirmou “A forma como usamos a terra e os recursos hídricos no passado negligenciava os impactos ambientais impostos pela agricultura intensiva. Esses custos não se refletem nos preços das commodities alimentícias vendidas e compradas internacionalmente, e nem mesmo nos preços dos alimentos no mercado interno. O Brasil não deveria correr para satisfazer a demanda global por sua água, colocando commodities no mercado mundial a preços que impossibilitem que o ambiente das terras e dos recursos hídricos do Brasil seja usado de modo sustentável”.

IHU On-Line - O senhor pode explicar o conceito de “água virtual”? Como fazer o cálculo de quanto cada produto consume de água?

John Anthony Allan - Os alimentos e outras commodities necessitam de água para serem produzidos. As commodities alimentícias possuem um teor de água particularmente grande. Por exemplo, as seguintes quantidades de água são necessárias para produzir 1 quilo de:

Trigo: 1.300 litros
Milho: 900
Arroz: 3.400
Carne de frango: 3.900
Carne de porco: 4.800
Carne de ovelha: 6.100
Carne de gado: 15.500
Algodão: 11.000

Ou a seguinte quantidade de litros de água é necessária para produzir 1 unidade dos seguintes produtos:

Um litro de leite: 1.000 litros
Uma xícara de chá: 30
Uma xícara de café: 140
Uma folha de papel: 10
Uma fatia de pão: 40
Uma maçã: 70
Uma camiseta: 2.700

A água embutida nisso é chamada de água virtual.

Quando uma commodity é exportada de um país para outro, o país importador se torna seguro em termos de água e alimentos contanto que tenha uma economia que seja diversificada, e as pessoas tenham meios de vida que lhes possibilitem comprar alimentos importados. Das 210 economias existentes no mundo, ao menos 160 são economias “importadoras” de água virtual. Há apenas cerca de 10 economias que têm um excedente de água significativo que pode ser “exportado” em forma virtual. Esses países incluem os Estados Unidos, o Canadá, a Austrália, Argentina e França. O Brasil é, em potencial, o maior “exportador” de água virtual do mundo.

Desejo uma muito boa segunda-feira. Amanhã, provavelmente, nos leremos aqui; Assim, até então.

domingo, 28 de março de 2010

28*DOM* Ainda evocando o aniversário de Porto Alegre

Porto Alegre Ano 4 # 1333

Nesta edição dominical, com o retorno da Gelsa, quando já era domingo, as blogadas voltam ao seu horário tradicional: na alvorada de cada dia [hoje, em acordar dominical]. A Gelsa chegou no horário e exatamente meia-noite entrávamos na casa dela encerrando longa viagem, onde uma das malas ter perdido rodinhas é quase irrelevante. Agora ela busca acertar o (com)fuso de seis semanas de ausência.Tudo parece correr muito tranquilamente. Isso é um sucesso!

Ontem a Morada dos Afagos recebeu uma visita muito querida: a professora Dra. Isabel Rosa Cabral. A Bel, com quem já tive oportunidade de estar, em mais de uma oportunidade, em Belém do Pará, esteve esta semana em Porto Alegre em atividades acadêmicas ligadas a pesquisas acerca do meio ambiente, em razão de convênio da UFPA com instituições gaúchas. Isabel é médica e tem doutorado em Genética e Biologia Molecular e envolve-se em genética humana com ênfase em mutagênese ambiental e interação gene-ambiente na carcinogênese. Almoçamos juntos e deleitamos em gostosa prosa que se prolongou até no final da tarde eu deixála no aeroporto.

Como prometera, estendo minha homenagem aos 238 anos de Porto Alegre aqui celebrado na sexta feira. Hoje a homenagem se inicia com uma foto de meu filho André.


Há três anos um jornal da cidade promoveu um concurso de crônicas. A proposta era falar de um local da cidade em 235 palavras (número do aniversário de então). Gosto de concorrer nestes concursos. Meu texto não foi selecionado. Devo dizer que li vários dos 12 selecionados. Todos melhores que meu. Imaginando que tenha ficado em 13º lugar – direito que me assisto, mas talvez tenha sido o 113º ou 236º –, faço com ele uma homenagem ao aniversário de Porto Alegre que foi comemorado, também, aqui em sua data, na última sexta-feira.

A proposta deste domingo se insere em uma tradição iniciada neste 2010: aos domingos editar textos mais curtos e mais amenos. Iniciamos falando de sagu no primeiro domingo do ano e nos dois anteriores foi trazida aqui uma fábula econômica em duas versões. Assim no 13º domingo do ano, trago minha croniqueta escrita em 2007. Fantasio (sublinho a ação verbal) ao final do texto algo de minha rua.

Ah! Falar dos lugares bonitos de Porto Alegre. Há tantos... não é fácil fazer uma eleição. Escolho um; quero ser original.
Um lugar que eu curto muito é a minha rua. Ela tem muitos atrativos, mas num é imbatível. Como é sazonal é preciso aguardá-lo por quase onze meses. Quando a primavera já adornou as ruas da capital gaúcha com ipês-amarelos anunciando a semana da Pátria, ou já multicoloriu ruas, avenidas e praças com uma gama muito grande de flores, chega a vez de minha rua. Os jacarandás tintam-se de roxos fazendo a minha rua toda linda. Tenho o privilégio de ver as copas das árvores de cima formando extenso tapete que veste toda a quadra.
Claro que não é só isso que faz minha rua um local muito gostoso na cidade. Ela tem outro destaque: a acessibilidade. É uma rua de bairro, quase no centro. Dizem que fica no Bom Fim, outros a referem no Rio Branco ou também Moinho de Ventos. Ela está perto da Goethe, onde passam linhas de lotação e ônibus, inclusive duas linhas transversais.
O texto tem um limite. Quase não pude contar que minha rua açula em mim, há um tempo, uma paixão quase universal: o voyeurismo. Vejo, não raro, um casal fazendo amor. Isso é muito lindo e faz minha rua atrativa. Só faltou dizer que minha rua é a Mariante. O número é segredo; posso perder o espetáculo.

Agora, votos para curtirmos o domingo que é de ramos. Logo estamos na Semana Santa. Que ela seja abençoada para os crêem e para os que não crêem. Amanhã, algo mais denso, é claro. Talvez responda: ¿Água virtual, o que isso? E como sobremesa, um por do sol que capturei desde a minha rua.



sábado, 27 de março de 2010

27*SAB* Morin em ‘A história de Vidal, meu pai’

Porto Alegre Ano 4 # 1332

Este blogue, como no ano passado adere ao movimento mundial no qual hoje par uma hora das 20h30min às 21h30min – milhões de pessoas desligarão as luzes de suas casas. Os principais monumentos símbolos nacionais terão suas iluminações diminuídas.

Para alguns será na hora da novela, mas será então oportuno aproveitar para conversar com a família, fazer um jantar à luz de velas ou até pra ficar olhando para as estrelas no céu.

O que não dá é para cruzar os braços e achar que o aquecimento global não é problema nosso.

Convide pelo menos um amigo ou vizinho e o engaje nessa ação. É um protesto, um sinal de que precisamos mudar!

Novamente na Morada dos Afagos para a última edição-coruja. Neste sábado a Gelsa faz seu retorno Berlin/Paris/São Paulo/Porto Alegre. Deixa Berlin às 6h (2h BSB) para chegar Porto Alegre quase meia noite.

A cerca da fala que me levou a São Paulo, uma vez mais, vou parecer imodesto: a palestra saiu muito bem. Este março foi de colecionar originalidades em minhas falas. Primeiro foi aquela babélica em Ålborg, depois foram as duas palestras ‘A Ciência é Masculina? É, sim senhora!’ uma no Bar Farofa e outra na Fundação CEEE e depois, nesta terça-feira, a aula-magna ‘abençoada’ pelo pastor.

Pois nesta sexta-feira, outra originalidade: primeiro falei para uma parcela de dirigentes da elite acadêmico-econômica no Brasil (Fundação Getúlio Vargas tem as mensalidades mais caras do Brasil). A outra: minha palestra, em luxuoso hotel, esteve inserida entre um desjejum muito variado e um lauto almoço. Falei para cerca de 40 coordenadores de cursos de Educação Continuada e Especialização em Direito da FGV/Law. Estes assistiram à fala por cerca de 2 horas nas mesas onde aconteceram as duas refeições. Área de Direito da FGV [GVlaw] iniciou em 2001, já tendo formado cerca de 10 mil alunos e atualmente há cerca de uma centena de cursos. Para quem vez ou outra dá aulas para os camaradas do MST, em situação diametralmente oposta, pode-se imaginar quantas emoções dispares afloraram. Uma coordenadora, depois de minha fala, ao ouvir minha referência aos direitos autorais do Alfabetização científica: questões e desafios para a Educação falou: “Foi muito bom ouvir que professores como o senhor envolvem-se com o MST. Só isso me faz rever posições acerca do que é lugar comum na imprensa!” Ainda em Congonhas, em longa espera para que a cerração que fechara o aeroporto se dissipasse , recebi esta mensagem: Caro Professor, antes de tudo parabéns pela brilhante palestra, fascinantemente indisciplinada! Peço o favor de me enviar os slides, Gustavo Amaral. Outro depoimento que me comoveu foi do jovem que assistiu a minha fala na execução de seu trabalho – era o responsável pela sonorização do evento (e também autor das fotos) – : “Sou evangélico, mas eu gostei muito da palestra!” (certamente, marcando posição acerca dos comentários que fiz sobre fundamentalismo e da ateologia). Sou particularmente grato a Monica Pinhanez, Coordenadora Acadêmica da GV Law, pelo convite e pela maneira como atenciosamente foi minha anfitriã atenta, especialmente nas trocas de experiências, ao atenciosamente levar-me ao aeroporto.

Mas sábado é dia de falar em leituras. Os três livros de Kierkegaard – que foi o destaca da última blogada sabatina – que encomendei [Ponto de Vista Explicativo da Minha Obra de Escritor, Diário de um Sedutor, e É Preciso Duvidar de Tudo] só chegaram na terça-feira. Mesmo que tenha levado um deles para viagem, não terminei e é prematuro resenhá-lo. Nesta semana referi a professor Um ponto no holograma - A história de Vidal, meu pai, no qual um dos mais reconhecidos sociólogos pós-moderno faz uma admirável tessitura de mais de quatro séculos da historia de sua família, para nos narrar a densa história de Vidal, seu pai. Ter manuseado esse livro que há um tempo a leitura me encantou, catalisou a blogada de hoje.

MORIN, Edgar. Um ponto no holograma - A história de Vidal, meu pai. São Paulo: A Girafa Editora, 2006, 448p. ISBN 85-89876-97-7

Não deve ser muito usual que um muito reconhecido sociólogo, antropólogo, historiador e filósofo se proponha a oferecer um livro acerca de sua família, mais especialmente de seu pai e também muito da sua, que não tem sempre as marcas da ortodoxia. Edgar Morin, nascido em Paris em 1921, é Diretor emérito de pesquisas do Centro Nacional de Pesquisa Científica e fundador do Centro de Estudos Transdisciplinares da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, ambos situados em Paris, onde reside. Sua obra mais conhecidaO método, teve seus seis volumes traduzidos e publicados no Brasil, pela editora Sulina de Porto Alegre. Esta obra tem sido referência para seminários em várias universidades brasileiras.

Talvez pudesse iniciar perguntando aos leitores deste blogue o que conhecem acerca de Salônica ou qual a identidade de salonicense. Se houve evocação às epístolas de Paulo aos tessalonicenses, a ligação está certa. Salônica (ou Tessalônica) hoje é a segunda maior cidade da Grécia; foi importantepelo menos 20 séculos. Ela é central em A história de Vidal, meu pai a partir do século 15. Em 1492, depois da queda da Granada, o Islã é rechaçado da Europa ocidental e a Espanha, então governada pelos reis católicos, Isabel e Fernando, impõe a judeus e muçulmanos o exílio ou a conversão. As dezenas de milhares de judeus que recusam a conversão ao cristianismo se espalharam pelo mundo. Com a diáspora dos sefarditas os judeus da Espanha espalham-se em pequenas comunidades rumo à Holanda, à Provença, mais amplamente rumo à África do Norte e sobretudo ao Oriente, Império Otomano adentro. Alguns se instalam nas cidades portuárias de Istambul, de Izmir e, principalmente, de Salônica, onde 20 mil deles desembarcam.

Esses judeus formam uma pujante comunidade, que por mais de quatro séculos conserva não apenas a judaica, mas a o uso do ladinolíngua ibérica semelhante ao castelhano falada por comunidades judaicas originárias da península Ibérica, também chamada de judeu-espanhol ou dijio –. Salônica foi, há um tempo turca, macedônia, italiana, grega e seus habitantes que usava como identidadejudeu salonicence’ ouisraelita do Levante’, e trocavam de nacionalidade com freqüência.

Em 1894, Vidal Nahoum – um judeu sefardita –, pai de Morin, nasceu em Salônica, e atravessou as guerras balcânicas, a derrocada do Império Otomano, e as duas guerras mundiais. E é a partir de Vidal Nahoum e de Salônica que o historiador traça um panorama dos judeus sefarditas.

Permito-me um parêntesis [Numa simplificação: entre nós (e me refiro ao Rio Grande do Sul) os judeus se dividem em a.- asquenazis – são judeus originados da Europa Central (o chamado judeu-alemão), cuja língua é o iídiche, idioma baseado no alto-alemão do século 14, acrescido de elementos hebraicos e eslavos; e b.- sefarditas ou sefaradins – judeu descendentes dos primeiros israelitas de Portugal e da Espanha, que falam o ladino. No RS, a comunidade asquenazi é mais numerosa que a sefaradim]

Acompanhamos na trajetória do biografado a história da Europa do Século 20, onde as duas guerras, a holocausto dos judeus e as alterações de fronteiras dão o tom a uma narrativa emocionante. Acompanhar o pai em duas guerras e depois o filho como ativista na 2ª Guerra Mundial, quando a família vive na França é muito envolvente.

O livro é uma primorosa edição de A Girafa Editora. Há pequenas imprecisões do tipo ‘31 de novembroque parecem não comprometer o texto. A leitura de A história de Vidal, meu pai é facilitada por árvores genealógicas de duas famílias judias salonicenses: Nahum (ramo paterno de Edgar Morin) e Beressi (materno) e de uma cronologia detalhada de seis séculos (1391-1986). Esses dois anexos são bons facilitadores para balizamentos da narrativa, especialmente quando não se tem a desejada condição de fazê-lo por muitas horas seguidas.

É com entusiasmo que recomendo às minhas leitoras e aos meus leitores essa obra de Edgar Morin. A oportunidade de conhecermos como se deu e como se dá construções de identidades – e as lutas de dos homens e das mulheres para consegui-las, escondê-las, mantê-las – é provavelmente um dos pontos mais significativos desse livro. Também por isso vale lê-lo.

Que o sábado, gostosa parte do fim de semana seja, muito bom.

E lembre-se de esta noite, por uma hora apagar a luz.