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segunda-feira, 31 de maio de 2010

31* Escrito com o nariz

Porto Alegre Ano 4 # 1397

Madrugada, mais uma vez, chuvosa. Uma blogada, ao mesmo tempo de abertura e de clausura. Abrimos uma semana e fechamos um mês. Mas fico apenas na segunda-feira que abre uma semana que tem feriado. Ou melhor ‘um dia santo’ que talvez a maioria daqueles que o fruirão ‘não estão nem aí’ para o seu significado. É mais uma destas tantas datas que em outros tempos era muito cultuada. Agora, esmaece até porque a religião hegemônica que a decretou não tem mais a força que já teve. Os 100 anos de pentecostalismo reconfiguraram o ‘a maior nação católica do mundo’.

Mas como eu não terei feriado e muito menos feriadão nessa semana vou me abster de mais uma fez dar as usuais alfinetadas em algo que me incomoda. Já disse aqui que as blogadas de segunda sabem a domingueiras. Essa não será diferente,

Meu domingo foi de ficar em casa. O clima convidava para tal. Dei uma saidinha, a pé, com minhas sacolas ecológicas, para ir ao mercado. Foi bom voltar com uma linda orquídea violácea para a Gelsa. Li muito jornal. Mas de tudo que li, está na ‘nova’ Folha – continua merecendo minhas restrições – algo comovente, que me obrigo a repartir com meus leitores, pois acredito que nem todos têm acesso a este jornal.

A matéria está no caderno Cotidiano: Escrito com o nariz onde Mario Cesar Carvalho conta acerca de advogada, que mesmo sofrendo de síndrome de esclerose lateral amiotrófica (ELA), lança amanhã livro escrito com ajuda de software, onde conta os círculos infernais das prisões. Vale ver o texto.

A advogada Alexandra Lebelson Szafir não anda, não move os braços, não deglute e não fala. Os movimentos que lhe restam são os dos olhos e da cabeça, que move devagar para a direita e a esquerda, como se a vida passasse em câmera lentíssima.

Foi com esse movimento e um software que escreveu "Descasos - Uma Advogada às Voltas com o Direito dos Excluídos". Levou dois anos para encher as 82 páginas em que narra os círculos do inferno das prisões e da Justiça.

O software exibe um teclado na tela, e ela escolhe as letras que vão compor a palavra movendo a ponta do nariz – faz às vezes dos dedos. Para se comunicar, sua cuidadora segura uma tabela de letras, as quais ela aponta com o olhar até formar a palavra, num processo penoso.

Alexandra tem uma doença rara, a síndrome de ELA, que pode ser provocada por fatores tão díspares quanto envelhecimento precoce de neurônios, estresse, infecção viral ou excesso de exercício físico em atleta profissional.

A advogada criminalista Alexandra Lebelson Szafir, em sua casa, em São Paulo

Aos 39, Alexandra, irmã [gêmea] do ator Luciano Szafir [pai da filha da Xuxa], sentiu as primeiras dores nas pernas. Para andar, tinha de arrastá-las. Achou que uma bengala resolveria.

Dois anos depois estava numa cadeira de rodas. Há um ano e cinco meses, teve de implantar uma sonda para receber alimento. Fez traqueostomia e respira com a ajuda de um aparelho.

A ligação da síndrome com a morte é "muito evidente" porque a paralisia é irreversível, diz o neurologista Acary Souza Bulle Oliveira, professor da Unifesp.

"Pergunte a qualquer pessoa normal o que ela faria nessa situação e ela vai te dizer: "Prefiro morrer". O que me impressiona é que as pessoas que têm ELA querem viver. Não têm mágoa nem amargura. Quando começo a ficar meio besta, penso nesses pacientes", diz o médico.
O que move os portadores da síndrome são os desafios, já que a atividade cerebral permanece intacta.
Alexandra tem pilhas de livros ao lado da cama.
Seu gosto vai do best-seller "Marley e Eu" a "The Life and Opinions of Tristram Shandy", de Laurence Sterne, e "On Beautiful", de Zadie Smith.

O livro de Alexandra foi um desses desafios. Nos anos 90, ela participou de uma experiência inovadora no Brasil por meio do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

Criminalista, sócia do escritório de Alberto Toron, fez mutirões em cadeias. Achou um doente mental que estava preso havia meses. Quando levado ao juiz, todos se chocaram com o fato de um homem naquele estado não estar num hospital.

Descobriu que a confissão de oito homicídios por uma só pessoa fora obtida sob tortura. Conheceu um juiz que nem olhava para quem fazia a defesa e, sem ver que o advogado estava em cadeiras de rodas, disse: "Nesta corte é norma que os advogados falem em pé!".

O livro não recorre aos salamaleques habituais do mundo jurídico. "Maldade, burrice ou falta de atenção" são os predicados de um certo juiz. "Às vezes as coisas têm de ser ditas pelo nome", disse em entrevista à Folha.

Sobre as razões que a levaram a escrever, diz: "Veja a última frase do livro". É do filósofo irlandês Edmund Burke (1729-1797): "Ninguém comete erro maior do que não fazer nada porque só pode fazer um pouco". Como ela diz no livro, advogados têm o "dever de meter o nariz onde não são chamados". [DESCASOS - UMA ADVOGADA ÀS VOLTAS COM O DIREITO DOS EXCLUÍDOS, EDITORA Saraiva QUANTO R$ 19 (82 p.)]

Penso que o texto dispensa qualquer apêndice. Uma muito boa segunda-feira a cada uma e cada um e que venham os festejados dias juninos, pois ‘tempus fugit’!


domingo, 30 de maio de 2010

30* O que é um texto ibis redibis?

Porto Alegre Ano 4 # 1396


É um domingo para (quase) encerrar maio. A noite parece resistir para ceder seu lugar ao dia. Num magnífico poder ser lido, agora, em diferentes latitudes, tenho leitores que agora já estão em uma manha dominical avançada e outros a quem resta algumas horas de sono.

Apresento um registro fotográfico do ‘Café Filosófico’ promovido por acadêmicos de Filosofia do Centro Universitário Metodista - IPA na Livraria Roma em Porto Alegre, na tarde de ontem, em atividade que anunciei na edição anterior. Foram momentos que senti o quando a trazida de discussões do porque somos machistas foi muito importante. Na tarde plúmbea havia cerca de 30 pessoas (todos os lugares disponíveis estavam tomados) de diferentes formações, algumas das quais participando pela primeira vez do evento. Houve problemas com o funcionamento do data show, no que fui consolado por alguns alunos dizendo que os filósofos preferem a ausência deste aparato.

Nas duas primeiras fotos estou com o Claiton Prinzo e com a Gabriela da Silva. Os dois são os organizadores da atividade. Registro que ela foi também uma muito disponível livreira e ele não só um perspicaz fotógrafo, mas também fez esforços inenarráveis para que eu tivesse as fotos para esta edição. Na terceira foto o casal Adão e Márcia, ele licenciado em Filosofia e ela Pedagoga, que como no filme Ágora vieram desde Esteio para a o Café Filosófico. Completa o quarteto uma vista parcial da plateia que buscava entender porque A Ciência é Masculina.




Agora, na já tradicional proposta de trazer blogadas domingueiras mais amena

s, respondo a pergunta que se fez manchete da edição de hoje: O que é um texto ibis redibis? Isso vetos com votos de um muito bom domingo para cada uma e cada um de meus amáveis leitores;

É usual quando lemos um texto, mais especialmente quando revisamos um trabalho de alunos, nos impacientarmos com ‘as vírgulas’. A resposta dos mesmos: ‘Mas, foi só uma vírgula!’ É clássica a resposta dada pela Sibila a um soldado que havia consultado o oráculo sobre o êxito de sua missão. Ibis redibis nunquam in bello peribis. Em português: Irás voltarás nunca na guerra perecerás.

A frase, como todas as respostas oraculares, é propositalmente ambígua - ou sibilina. Dá margem à dupla interpretação conforme a pontuação que se queira utilizar. O oráculo sempre poderá dizer ter acertado no prognóstico.

Veja-se a como a virgulação pode mudar a expectativa de sucesso ou insucesso do consulente ao oráculo:

SUCESSO

Ibis, redibis, nunquam in bello peribis.

Irás, voltarás, nunca na guerra perecerás.

INSUCESSO

Ibis, redibis nunquam, in bello peribis.

Irás, voltarás nunca, na guerra perecerás.

Na linguagem moderna, ser um ibis redibis se aplica aos documentos oficiais obscuros ou ambíguos.

Existe outra frase que envolve uma questão de gênero:

Se o homem soubesse o valor que tem a mulher moveria céus e terra na sua procura.

Se diz que homens e mulheres virgulam diferente:

* Mulheres, colocam a vírgula depois de MULHER...

* Homens, colocam a vírgula depois de TEM...

sábado, 29 de maio de 2010

29* A Ciência é Masculina? É, sim senhora!

Porto Alegre Ano 4 # 1395

Madrugada em que as nuvens impedem fruirmos o plenilúnio. A previsão é de mais um dia nublado. Mas é preferível a opacidade dos céus por nuvens a por cinzas vulcânicas como nesta sexta-feira se anunciou no Equador, remetendo-me a lembranças leitores que esse blogue tem nesse país.

Há mais de um ano, a cada sábado, tenho trazido aqui dicas de leituras. Essa marca das blogadas sabatinas deve credito a uma sugestão de Marcos Vinicius Pacheco Bastos, um historiador que há um tempo mereceu o título de comentarista mais assíduo aqui, completando mais de um ano sem faltar a um comentário diário. Ora maiores atividades profissionais têm causado a vários de nós abstinência de seus sempre instigantes comentários. Mas há promessa escrita de volta.

Como esta tarde participo do Café Filosófico promovido pelos meus alunos do Curso de Filosofia do Centro Universitário Metodista - IPA que terá como tema o meu livro A Ciência é Masculina? permito-me, uma vez mais assuntá-lo aqui.

No dia 11 de março deste ano contei aqui algo que antecipadamente considerei quase uma profanação do livro, pois o livro estava no cardápio em Sarau no Bar Farofa. Foi uma muito concorrida promoção dos Gabinetes do Deputado Ronaldo Zulke e da Vereadora Sofia Cavedon. Na sexta-feira, que se seguiu, levei a mesma discussão à Fundação CEEE, esta em decorrência de palestra que fiz no ano passado na Eletrosul. Hoje a tarde, na Livraria Nova Roma, muito próxima ao Bar Farofa, espero reabilitar-me do que escrevi aqui no dia seguinte: Só lamento que eu não tenha aproveitado mais esse auditório, pois no começo não cria que captaria a atenção dos presentes. Eu me subestimei. Terminado minha fala me imaginava como me superaria se tivesse uma nova oportunidade. Hoje num cenário mais de livro, tenho a desejada oportunidade de superar-me.

Se então esta palestra pela primeira vez tinha como cenário um bar, hoje faço em uma livraria aquela que é uma de minhas palestras que mais apresentei. A Ciência é masculina? É sim, senhora! A primeira vez foi, em 2002 em uma sessão ‘IHU ideias’. Essa palestra já a realizei mais de meia centena de vezes em dezenas de Universidades de vários estados brasileiros como também na França, no México, na Argentina (onde foi publicada em espanhol), no Uruguai e na Colômbia. Na próxima semana faço-a, entre outras atividades, em duas cidades de Rondônia (Ariquemes e Porto Velho).

Nunca é demais recordar que as primeiras falas provocaram polêmicas (e até vaias) a começar pelo título provocativo do livro A Ciência é masculina? e a resposta seguida na página de abertura: É sim, senhora! Sempre contrapus as acusações machistas com as dedicatórias: Para Maria Antônia, minha neta, que, afortunadamente, será mulher em novos tempos e para Gelsa, minha companheira, cujo fazer acadêmico ajuda a chegada destes novos tempos. Esta semana ainda contei aqui que um grupo de estudantes vaiou-me, pois pensavam que minha trazida de algumas concepções machistas do Apóstolo Paulo fosse em defesa de sua ratificação. Qual a finalidade usual pela qual citamos um texto bíblico?

É bom recordar o surgimento do livro que já teve desde 2003 quatro edições. Estava preparando a publicação do Educação conSciência (que escrevera em Madrid; hoje comecei a revisar o material da 3ª edição) quando um capitulo ficava extenso demais. Ele foi desentranhado do mesmo, e depois de apresentado no IHU Ideias, se fez livro independente. Aqui refiro minha gratidão muito especial, ao Instituto Humanitas Unisinos. Ele é um fórum de discussão muito especial. Cabe-lhe uma palavra muito corrente na academia, sem que se atente ao seu significado mais denso: seminário, canteiro onde se semeiam vegetais que depois serão transplantados, um semeadouro de ideias. Tomara que eu contribua para que na tarde deste último sábado de maio eu ajude a fazer do Café Filosófico na Livraria Roma um seminário de ideias.

Palestra em Campina Grande, PB, antecedendo o lançamento do livro, teve destaque no ‘Jornal da Ciência’ da SBPC – http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=14200 – em novembro de 2003.

CHASSOT, Attico. A Ciência é Masculina? São Leopoldo: Editora Unisinos. Coleção Aldus, 16. 2003 4. ed 2009). 110p. ISBN 85-7431-186-3

No livro mostro que não apenas a Ciência é masculina, mas a Filosofia, as Artes (quais as mulheres proeminentes que aparecem na constelação de grandes compositores, pintores ou escultores?), a política (veja o significado de duas palavras ‘os políticos’ e ‘as políticas’), os esportes (qual o destaque que tem um uma copa do mundo de futebol feminino, a masculina, nem precisa adjetivar), as religiões [nada é tão flagrantemente machista como estas. São homens os pregadores e líderes religiosos, na maioria das religiões; estas em geral criações masculinas. Na Igreja católica, além do sacerdócio ser vetado a mulheres, há muitas ordens religiosas femininas fundadas (e até governadas (=disciplinadas) por homens]. Dentro desta mesma análise, quais os nomes de mulheres que poderíamos colocar como similares aos dos sanguinolentos Hitler, Mussolini, Stalin, Franco, Milosevic, Pol Pot, Pinochet, Bush, Sadan, apenas para citar aqueles de quem somos mais próximos temporalmente? Não parece ocorrer nenhum.

No Brasil as mulheres ganham em média 2/3 do salário pago aos homens. Os homens detêm 70% dos rendimentos do país. As mulheres ocupam em torno de 10% das cadeiras dos legislativos. Em cerca 5.560 municípios brasileiros é entorno de 5% o número daqueles em que mulheres são as dirigentes (prefeito) da prefeitura. Poderíamos alinhavar um número extenso de outras discriminações.

Parto do princípio de que não somos sociedades machistas por acaso, e sim devido ao nosso DNA, onde se analisa, em recorte ocidental, três vertentes que nos constituíram como humanos: a grega, que nos legou o saber (os mitos e a filosofia), a judaica, de herdamos as leis e as culpas (cosmogonia e a torá) e a cristã, marcada pelo Amor (Apóstolo Paulo e outros doutores da Igreja Cristã). Discute-se as (des)contribuições destas três raízes que nos fizeram assim.

Na Ciência essa análise pode ser feita por muitos indicadores, por exemplo, listagem de prêmios Nobel. Não é preciso nenhum esforço para se verificar o quanto vivemos numa civilização que ainda tem uma conotação predominantemente masculina. Um exemplo quantitativo, mesmo que possa ter seus critérios de objetividades contestados, é uma lista dos 100 nomes – The One Hundred HART, Michel "The one Hundred - a Ranking of the Most Influential Persons in History. (London: Simon & Schuster, 1996). – que em toda a História da Humanidade, são considerados como os mais significativos em termos de influências, na visão de um amplo universo de respondentes. O resultado é uma lista com noventa e oito nomes de homens e de duas mulheres e estas são duas rainhas – Isabel, a Católica (n. 65) e Elizabeth I (n.94) – que foram personagens muito importantes.

Ao se destacar a presença de algumas mulheres cientistas – Hipátia, Marie Curie, Margareth Mead – se traz duas hipótese para possível superação do machismo na Ciência: uma histórica e outra biológica. O livro quer contribuir para que tenhamos uma sociedade menos desigual quando às diferenças de gênero.

Com votos de um muito bom sábado, a expectativa que algum de meus leitores possa encontrar algum de meus leitores esta tarde.


sexta-feira, 28 de maio de 2010

28* Sobre o dia seguinte


Porto Alegre Ano 4 # 1394

Vivo hoje a situação de uma postagem atípica. Primeiro por postá-la mais tardiamente. Já às 7h, estava na Academia Treinar para uma de minhas três sessões semanais de uma hora. Outra, como sempre posto muito cedo, é usual encerrar o dia com algo pré-pronto para a edição do dia seguinte. Ontem até me ocorrera falar acerca de uma comemoração: no dia 23 de abril de 1960 – portanto, há 50 anos atrás - a pílula anticoncepcional recebia a permissão para ser receitada, distribuída e vendida explicitamente como anticoncepcional oral nos Estados Unidos. Começava uma “revolução” que incidiria nos anos seguintes na vida de milhões de mulheres de todo o mundo, e através delas nos homens, nas famílias e nas sociedades de todas as nações. Farei isso provavelmente na segunda-feira.

Titulei essa edição ‘Sobre o dia seguinte’. Realmente os dois assuntos trazidos aqui – cupins e estada na UPF – marcaram meu dia. Permito-me hoje tecer essa blogada com um rescaldo de ontem, que quer ser mais que um café requentado.

Meu ‘Scriptorim’ ainda rescende ao inseticida lançado ontem contra os cupins. Deve ter havido um cupinicídio generalizado. Indefesos seres eussociais foram atacados por quatro humanos em um morticínio que eu patrocinei. Isso de seres eussociais mexeu comigo. Como trouxe aqui ontem: o termo eussocial é conferido aos animais que apresentam as sociedades mais complexas, ou seja, aqueles que compartilham três características: uma sobreposição de gerações em um mesmo ninho, o cuidado cooperativo com a prole, e uma divisão de tarefas (reprodutores e operárias). A grande pergunta que nos fazemos é: “o que é um ser inteligente?”. Recordo Friedrich Engels – o grande parceiro intelectual e suporte financeiro de Marx – que ensina: Os humanos se distinguem das demais espécies animais pela capacidade de produzir trabalho (útil) para a facilitação de sua vida.

Ontem aflorou muito uma pergunta que estava no Manual de doutrina Cristã. Lateralmente devo dizer que procuro um exemplar deste catecismo para preparação da primeira comunhão. Lá havia uma pergunta: O que é o homem? É um animal racional dotado de corpo e alma. Seguia outra pergunta: Para que vivemos na Terra? Para amar e servir a Deus e assim salvar a nossa alma. Será o cupim um animal tão irracional, mesmo tendo cuidado com a prole e dividindo tarefas entre os distintos estratos sociais, construindo extensas galerias na busca de alimentos.

Alguém pode pensar que esteja ‘variando’. Devo reconhecer que pensei muito nisso. Escrevi, há um tempo que fiz literatura infantil (inclusive premiada em dois concursos estaduais) um conto “Tratado de Paz” em que Bernardo e André fazem um acordo com formigas, que consistia na definição de quais vegetais estas podiam usar e quais deveriam proteger. Ontem, se antes da matança me fosse dado acesso uma audiência com a rainha da colônia de cupins que hospedava (notem que uso o tempo verbal no passado, como se a equipe da Mosca, tivesse tido sucesso) aceitaria fornecer madeira que poderiam usar para alimentação em troca de não atacar minhas prateleiras e meus livros. Certamente teria mais sucesso que os acordos de paz que os humanos não sabem fazer entre si.

Deixo os cupins que espero que descansem em paz e falo do dia depois da palestra de encerramento da “IX Semana do Químico: Química, Tecnologia e Sociedade” do Curso de Química do ICEG da UPF.

Houve algo inédito: Nunca minha estada em um evento teve um dia seguinte como nesta fala que volto a comentar. Houve dez comentários (no computo as minhas respostas) no blogue – algo inusual, pois estes são no máximo um ou dois, ou até zero. As emoções que estes retratam podem ser vistas na edição de ontem.

Mas houve ainda cerca de meia dúzia de recados, que me permito transcrever abaixo, com minhas respostas. Para quem fez essa viajada tudo isso é um bálsamo que mitiga qualquer cansaço. Fico muito gratificado quando vejo a dimensão que dás ao meu fazer Educação. Saber que conto com parceiros como as alunas e os alunos do Curso de Química da UPF. Só pelo teor dos comentários posso inferir que as sementes caíram em solo fértil.

Minha pergunta é porque essa tão diferente manifestação pós-palestra? Seria porque na abertura agradeci algo que também se afigurou como inédito: as mensagem pré-palestra manifestando expectativas e boas vindas.

Mas eis algumas das alegrias que me ofereceram aqueles e aquelas que assistiram minha palestra “A ciência como instrumento de leitura para explicar transformações da natureza” . Elas foram postadas na espaço de recados do blogue que não permite mais de algumas linhas.

Mensagem: Mestre querido. Como lhe disse ontem sempre vou dar uma espiadinha em seu blog. Que bom que pode sentir como o admiramos e como nos foi importante as suas palavras. Nunca esquecerei :CURIOSIDADE! Nada de ser cubeiro! Muito interessante esta vida de cupim. É muito prazeroso aprender com o senhor. Melhor seria se todos tivessem esse seu dom de passar conhecimento... Abraço de uma aluna que lhe admira bastante. Até breve Luciana Luft

Luciana muito querida, Obrigado por tua chegada no blogue e conheceres um pouco sobre esses cupins eu eussociais. Apareça de vez em vez. Um afago do attico chassot

Mensagem: Bom dia, Prof Chassot.

Agora entendo o carinho que todos têm ao comentar sobre o "Mestre Chassot", pois ontem a noite também senti o mesmo, fico orgulhosa em saber que nós Químicos temos um Mestre tão especial para aprender e compartilhar a Ciência

Um abraço de sua fã Josiane.

Josiane querida, obrigado pelo teu carinho. Para mim também foi uma noite especial.Um afago do attico chassot

Assunto: RES: Mais uma fã, aluna e estudiosa lhe fazendo perguntas...

Querido Mestre, sou mais uma dos quase 200 ouvintes da palestra ministrada pelo senhor na noite que passou. Sou também, aluna do professor Ademar e estou, neste momento escrevendo uma resenha do seu livro "A ciência é masculina?", e gostaria de sua ajuda grandiosa, pois fiquei com uma dúvida para a elaboração da mesma. Não tive coragem ontem a noite de te pedir isto, e ainda neste momento não sei direito como me dirigir a você em relação a este fato. Necessito citar na resenha a qual perspectiva teórica a sua obra pertence, e estou tendo muitas dificuldades para identificá-la. Se for possível me auxiliar nesta questão, seria muito grata.

Atenciosamente,
Aline Adiers, Bacharel em Química e estudante de Licenciatura em Química pela UPF.

Muito querida Aline, a tua questão é irrelevante. Lembra do que falei ontem à noite de Feyerabend, Não precisamos necessariamente identificarmos uma determinada perspectiva teórica, Mais quais são os diferentes rótulos para então nos encaixar em um. Pensei muito em uma resposta, Talvez diria que fui um pouco hermeneuta na escrita do A Ciência é Masculina? Talvez, tenha aplicada a heurística. Devo dizer que nos sete anos deste livro nunca alguém havia feito tal pergunta, Nem eu, jamais, me fizera Releva minha dificuldade em responder, um afago attico chassot

Mensagem: Olá Mestre Chassot!

Sou acadêmica do curso de Química licenciatura da UPF, e ontem tive o privilégio de conhecê-lo pessoalmente. Conhecia seu trabalho através de seus livros, já era sua fã, mas ontem depois da palestra nossa, acho que não tenho palavras para designar tamanha adoração pelo senhor e pelo seu trabalho que contribui em muito para meu crescimento pessoal e profissional.

Porém fiquei com duas perguntas, melhor dizendo duas curiosidades. O que leva o senhor a destacar bem o masculino e o feminino em seus livros? em que momento surgiu essa ideia, que faz com que seus livros sejam escritos para cada um individualmente? E qual o segredo para escrever livros tão interessantes e que conseguem chegar a vivencia de todos?

Obrigada pela atenção e por compartilhar de seus conhecimentos! Abraço, Camila Missio da Silva

Muito querida Camila,

Obrigado pelas referências tão queridas a minha fala de ontem. As tuas duas perguntas são uma fácil e outra difícil. A primeira é decorrente dos ensinamentos de Paulo Freire que tive o privilégio de conhecer pessoalmente. A segunda daria um artigo.

Sua análise pode ser suportada pela tentativa de compartilhar respostas a três interrogações: O que escrevo? Como escrevo? Por que escrevo? A primeira é de fácil resposta. A segunda traz algo de como iniciar um texto. A terceira, mais complexa, já mereceu contribuições de leitores de diferentes linguagens e países. Já antecipo que talvez ainda tenha que buscar ajudas psicanalíticas para responder esta terceira pergunta.

Tenho um texto mais completo que se desejares posso te enviar, coso não encontrares nesta referência. CHASSOT, Attico. Blogues como artefatos culturais pós-modernos para fazer alfabetização científica. Competência: Revista da Educação Superior do Senac-RS. p. 11-28. V.2, N.2 Julho de 2009 ISSN 1984-2880.

Uma vez mais obrigado pelo estímulo acerca da noite de ontem, um afago do attico chassot

Estendi-me demais. Votos de um saldo de sexta-feira e bom fim de semana. Adito uma vez mais um convite para amanhã.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

27* Uma quinta-feira com cupins: um inseto eussocial

Porto Alegre Ano 4 # 1393


Era 6h desta manhã nublada inserida em chuvisqueiros quando chegava à rodoviária procedente de memorável jornada na Universidade de Passo Fundo, encerrando um estar ausente da Morada dos Afagos de 18 horas. Cheguei a Passo Fundo na meia tarde de ontem recebido pelo Ademar Lauxen, coordenador do Curso de Química e por Joice Ceolin, coordenadora da Comissão Organizadora da “IX Semana do Químico: Química, Tecnologia e Sociedade“. Fomos direto ao campus da UPF. Reencontrei vários colegas com destaque muito especial aos meus queridos colegas Clóvia e Barão. Comoveu-me muito ao acessar meu correio e encontrar quase uma dezena de mensagens desejando-me boas vindas. Algumas estão na edição de ontem. Aqui outra amostra: Aguardo ansiosamente tua palestra hoje em Passo Fundo. Comecei o curso de Química Licenciatura neste semestre, e já pude conhecer um pouco do teu trabalho e de alguns dos teus livros. Nossa turma te aguarda e te aplaude desde já, Guilherme Cavagni // Mestre, é com muita honra que o recebemos em nossa cidade mais gaúcha Passo Fundo. Sou aluna de Química da UPF, estamos todos felizes em recebê-lo aqui. Por coincidência, estou lendo um livro seu A Ciência através dos tempos, até breve, Luciane Luft // Mestre, é um prazer ter a vossa presença a na IX Semana do Químico na UPF, Obrigada!!!, Franciele Furlani

Às 19h30min iniciou as solenidades de encerramento da Semana com minha palestra “A ciência como instrumento de leitura para explicar transformações da natureza” na sede da Associação de Docentes da UPF. Falei por quase duas horas a quase duas centenas de professores e alunos. Foi emocionante ao final ser aplaudido longa e entusiasmadamente por um auditório vibrante que se pôs em pé. As fotos registram os agradecimentos do Ademar e a recepção de uma cuia e bomba de chimarrão da UPF, entregue por Joice e Sthefen, líderes da Comissão Organizadora.


À palestra segui-se um coquetel de encerramento, quando autografei dezenas de exemplares de A Ciência através dos tempos, Para que(m) é útil o ensino? e A Ciência é Masculina? na foto faço ara uma futura leitora que acompanhou atentamente toda a palestra. Foi também um momento de receber tietagem com pedido para posar em fotos com leitores.

Da estimulante jornada em Passo Fundo a espera por quatro horas a chegada às 2h da madrugada para tomar o ônibus. Recebi então provas de estimas que não aceitaram meu pedido que eu aguardasse sozinho. Fomos, então, a casa do Ademar onde com ele os professores Janaina e Rafael e os alunos Joice e Sthefen souberam fazer passar fraternalmente a cansativa espera. Uma noite bem dormida em um confortável ônibus-leito me permitiu logo após a chegada fazer esse registro de uma muito estimulante jornada na UPF. Agora segue-se outra jornada com outro tom de emoções.

Muito provavelmente meus leitores terão pelo menos dois estranhamentos com a manchete da blogada desta quinta-feira. Meu dia terá muito forte a presença de cupins. Nesta semana o seu Alberto, da Mosca – e aqui o merchandising é consentido – confirmou minha apreensiva suspeita: paredes de parte de minha biblioteca estão tomadas de cupins. Há alguns dias era alertado pelo surgimento dos temidos dejetos que indica a silenciosa presença de um muito numeroso exército invasor. A meta hoje é exterminá-los. Essa pode ser uma situação de guerra que viola meus sentimentos pacifistas, mas ante um tribunal vou evocar legitima defesa de meus livros que são mais preciosos que esses vândalos que põem risco o que mais prezo de meu patrimônio. É fácil imaginar o significa remover centenas de livros, que estão catalogados em prateleiras. Além de todo transtorno registro que a operação desta manhã me custará R$ 780,00; pagaria o dobro se não precisasse fazer o serviço. Sinto-me um apenado, e agradeço a meus leitores ser alvo de condoimento. Hoje, mereço. Aqui uma amostra desta manhã, antes de começar o serviço.



Aprendo sobre cupins na Wikipédia: cupim (no Brasil), térmite ou térmita (em Portugal), muchém (em Moçambique) ou salalé (em Angola), ou ainda, formiga-branca [em espanhol: termitas, termes, turiros ou comejenes y também hormigas blancas], é um inseto eussocial da ordem Isoptera [Isos, igual e ptera, asas = asas iguais], do qual existem cerca de 2.800 espécies catalogadas no mundo.

Assim expliquei o primeiro estranhamento. Falava em dois. Eis o segundo. Vejam a beleza de os cupins viverem a eussociabilidade.

O termo eussocial é conferido aos animais que apresentam as sociedades mais complexas, ou seja, aqueles que compartilham três características: uma sobreposição de gerações em um mesmo ninho, o cuidado cooperativo com a prole, e uma divisão de tarefas (reprodutores e operárias). Como exemplo, podem ser citados as formigas, abelhas, vespas, cupins e o rato-toupeira-pelado, um roedor africano. Entendo porque me pesa essa guerra difícil contra seres tão organizados.

Todos os cupins são eussociais, possuindo castas estéreis (soldados e operários). Uma colônia típica é constituída de um casal reprodutor, rei e rainha (na foto), que se ocupa apenas de produzir ovos; de inúmeros operários, que executam todo o trabalho e alimentam as outras castas; e de soldados, que são responsáveis pela defesa da colônia.

Existem também reprodutores secundários (neotênicos, formados a partir de ninfas cujos órgãos sexuais amadurecem sem que o desenvolvimento geral se complete), que podem substituir rei e rainha quando esses morrem, e às vezes ocorrem em grande número numa mesma colônia. Os membros da família Kalotermitidae não possuem operários verdadeiros, mas esse papel é desempenhado por ninfas (pseudo-operários) que retêm a capacidade de se transformar em alados ou soldados.

Existem também cupins desprovidos de soldados, como é o caso de todos os representantes neotropicais da subfamília Apicotermitinae. Alguns cupins possuem dois ou três tipos de soldados, sempre de tamanhos diferentes, e às vezes morfologicamente tão distintos que poderiam passar por espécies diferentes.

A dispersão e fundação de novas colônias geralmente ocorre num determinado período do ano, coincidindo com o início da estação chuvosa. Nessa época ocorrem as revoadas de alados (chamados popularmente de siriris ou aleluias), dos quais alguns poucos conseguem se acasalar e fundar uma nova colônia.

Os cupins são mais conhecidos por sua importância econômica como pragas de madeira e de outros materiais celulósicos, ou ainda pragas agrícolas, entretanto, apenas cerca de 10% das espécies conhecidas de cupins estão registradas como tal.

Em número de espécies, a ordem Isoptera deve ser considerada intermediária entre os insetos, já em termos de biomassa e abundância, os cupins apresentam enorme significância e podem ser comparados às formigas, minhocas, mamíferos herbívoros das savanas africanas ou seres humanos, por exemplo, e estão entre os mais abundantes invertebrados de solo de ecossistemas tropicais. Esta grande abundância dos cupins nos ecossistemas, aliada à existência de diferentes simbiontes, confere a estes insetos a possibilidade de desempenhar papéis como o de "super decompositores" e auxiliares no balanço Carbono-Nitrogênio.

É fácil imaginar meus transtornos nessa quinta-feira, pós Passo Fundo. Não desejo visitação de um casal de cupim fundante de uma nova colônia para ninguém. Mas uma excelente quinta-feira, sim. E permito-me repetir o convite de ontem: o Café Filosófico, na tarde deste sábado.