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quarta-feira, 27 de abril de 2011

27.- Nada que é humano é somente individual.


Porto Alegre * Ano 5 # 1728

Cheguei, há não muito, da aula de Conhecimento, Linguagem e Ação Comunicativa para o grupo de Educação Física & Filosofia. Houve momentos polêmicos a partir dao interrogante: Pode/deve o ensino se Político? em situações como a inclusão de portadores de necessidades especiais em classes de ditos ‘normais’ e educação exclusiva fora da escola.

Antes de ir para a aula, a Gelsa e eu tivemos uma agradável surpresa. A Clarissa e o Carlos passaram aqui com Maria Clara – a querida aniversariante do dia. No registro imagético dois momentos da primeira curtida dos livros que a Maria Clara ganhou como presentes de Páscoa e como de aniversário. O nenê que vai nascer no final da primavera também ganhou um livro pela Páscoa.

Em um dia da semana santa, (nem sei qual) foi enterrado o autor dos disparos do massacre de Realengo, sem atender minimamente as canônicas preceituações estabelecidas pelo morto. Tragédia em Realengo tomando outros contornos: o assunto da vez é bullying. Mas se pode dizer que o fato do macabro 07 de abril e, especialmente suas análises, tenham se transformado em circo de horrores, dissociado de reflexão social.

Trago a propósito uma densa reflexão que foi escrita por Duarte Pereira, jornalista, escritor e ex-dirigente da Ação Popular. O texto publicado há duas semanas, mas tem ainda uma vibrante atualidade, especialmente pelas críticas que faz a imprensa em geral e a rede Globo em particular. A fonte é CORREIO DA CIDADANIA, www.correiocidadania.com.br/content/view/5716/9/

Com desejo que cada uma e cada um de meus leitores aproveitem as reflexões oferecidas, desejo uma muito boa quarta-feira. Amanhã, aqui poderá ser, novamente, um ponto de leitura.

“Alô, alô, Realengo: Aquele abraço!” (Gilberto Gil, no samba-exaltação Aquele abraço, ao partir para o exílio, forçado pela ditadura militar)

A dor pelas mortes e pelos ferimentos, brutais e gratuitos, das crianças e pré-adolescentes da Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro do Realengo, na cidade do Rio de Janeiro, não deve obscurecer nossa consciência crítica.

Nada que é humano é somente individual. É individual e social. Mesmo a loucura e suas consequências.

Em que exemplos de violência e insensibilidade, reais e fictícios, o rapaz Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, ex-aluno da escola atingida, buscou inspiração? Onde conseguiu informações sobre o manejo de armas e o planejamento de massacres? Como adquiriu os dois revólveres e a farta munição que utilizou? Por que Wellington, filho de uma paciente psiquiátrica, arredio desde criança, e que já apresentava há vários meses, após o falecimento dos pais adotivos, sinais perceptíveis de descontrole e decadência pessoal, foi esquecido sozinho numa casa herdada, sem apoio nem assistência?

A forma capitalista de vida social, sobretudo em seus traços contemporâneos, engendra um individualismo cada vez mais exacerbado e uma perda crescente de atenção e solidariedade das pessoas entre si. Não é possível outra forma de sociabilidade humana, que reduza tragédias como a que ensanguentou ontem pela manhã o bairro carioca de Realengo?

Estou cada vez mais estarrecido com a cobertura predominantemente passional e facciosa da tragédia ocorrida em escola municipal do Rio de Janeiro, no bairro do Realengo.

O jovem Wellington de Oliveira, autor dos disparos que mataram e feriram alunos inocentes da escola, foi chamado de “meliante” nas primeiras declarações do policial que o abateu e continua sendo indigitado como “assassino” por quase toda a mídia, embora já se saiba que sofria de esquizofrenia desde criança. A mídia negligencia as informações de que Wellington, quando era aluno da escola, passou por vexames e humilhações por causa de sua introversão e bizarrices. Não aborda a falta de acompanhamento e tratamento adequados de um paciente diagnosticado de esquizofrenia desde criança, o que agravou a evolução de sua enfermidade. Não trata das informações sobre atentados e manejo de armas que podem ser acessadas facilmente na internet. Não reavalia a divulgação maciça, cotidiana e acrítica dos mais variados atos e formas de violência praticadas por grandes potências e contumazes delinquentes, reproduzidos em filmes de sucesso e até mesmo em jogos eletrônicos. Não esclarece como Wellington conseguiu as armas e as munições, sem as quais não poderia ter feito seus disparos cruéis e desvairados. Não alerta para a atmosfera envenenada de individualismo e competição em que a infância e a juventude vêm sendo forjadas.

Com essa cobertura irresponsável e superficial, a maioria da mídia apenas acirra a dor e as reações equivocadas dos parentes das vítimas e de um amplo setor popular. E, nesse clima irracional, as autoridades policiais já alertam para possíveis ataques de represália a familiares do jovem atirador.

São poucos também os professores e mais reduzidas ainda as entidades do magistério que têm vindo a público para lembrar a violência que se tornou endêmica nas escolas, principalmente nas escolas públicas, rebatendo a ideia de que a tragédia do Realengo possa ser considerada um fato isolado e imprevisível. Surpreende também que os movimentos de saúde, sobretudo os de saúde mental, não se empenhem em repor a apreciação do trágico acontecimento num quadro mais objetivo e multilateral, que leve em conta a condição do autor dos disparos, a falta de acompanhamento e tratamento de seu padecimento mental e as circunstâncias finais de abandono e solidão que precederam seu gesto de sofrida insanidade. Preocupa também que juristas de indiscutíveis convicções democráticas não se pronunciem para reclamar o tratamento jurídico adequado que merece um jovem esquizofrênico, mesmo que pratique atos de grande crueldade.

Abalados pelo acontecimento, que não conseguem entender satisfatoriamente, muitos parecem retroceder à Idade Média, quase pregando a condenação dos loucos como endemoninhados e bruxos e seu justiçamento nas chamas de fogueiras.

Vêm à lembrança as advertências de Engels e de Rosa Luxemburgo de que o declínio da civilização capitalista poderia ser seguido não por um salto socialista, mas por uma regressão à barbárie. É preciso insistir, portanto, na necessidade de lutar pela alternativa de uma civilização superior, socialista, baseada não apenas no poder democrático dos trabalhadores, na propriedade social dos meios de produção, no planejamento das atividades econômicas ou em serviços públicos universais e de qualidade, principalmente nas áreas de saúde, educação e previdência, mas também em valores de respeito, solidariedade e ajuda mútua no convívio social.

Questões que não querem calar O programa “Fantástico” transmitido pela Rede Globo na noite de domingo exibiu novas reportagens sobre a tragédia que se abateu sobre a Escola Municipal Tasso da Silveira, no bairro do Realengo, na cidade do Rio de Janeiro. As reportagens devem ter suscitado novas preocupações nos espectadores atentos.

1) É legal e admissível que a polícia carioca repasse imagens e documentos da investigação para a Rede Globo com exclusividade, discriminando os outros veículos de comunicação?

2) Segundo as imagens transmitidas, as professoras das duas salas de aula invadidas pelo atirador foram as primeiras a fugir, deixando para trás as crianças e adolescentes pelos quais eram responsáveis. Por que a entrevistadora não questionou esse comportamento? Por que as autoridades educacionais do Rio de Janeiro não apuram, nem discutem com as famílias dos alunos, a conduta da direção, dos professores e dos funcionários da escola no episódio, até mesmo para estabelecer padrões de reação escolar na eventual repetição de ocorrências semelhantes? Segundo regra conhecida, o comandante de uma embarcação que naufraga deve ser o último a abandoná-la.

3) Relatos de colegas de Wellington de Oliveira, reproduzidos pelo programa da Globo, confirmaram que o menino introspectivo e vulnerável costumava ser objeto de gozações e humilhações na escola. Grupos de alunas o cercavam, roçando seu corpo e simulando assediá-lo sexualmente, para o sádico divertimento de outros alunos e alunas que assistiam. Em uma ocasião pelo menos, colegas mais fortes o levantaram pelas pernas, enfiaram sua cabeça numa privada e acionaram a descarga, conforme os entrevistados admitiram. Contraditoriamente, uma das professoras que abandonou precipitadamente a sala de aula, deixando para trás seus alunos, declarou enfaticamente no programa da Globo que nunca houve “histórico de violência” na Escola Municipal Tasso da Silveira. O que era feito com Wellington não configura violência e violência repetida? Como são supervisionados os banheiros, os horários de recreio e as saídas das escolas, que se têm revelado momentos e espaços críticos para a integridade e a segurança de alunas e alunos mais indefesos?

4) Conforme as declarações de um dos irmãos de criação de Wellington, a mãe deles foi chamada à escola, alertada para o comportamento discrepante do aluno e aconselhada a procurar um psicólogo ou psiquiatra para avaliá-lo. Isso foi feito? Em nossa sociedade capitalista, sobretudo na fase neoliberal e privatizante que atravessa há cerca de duas décadas, existe serviço público na região capaz de assegurar esse atendimento, tratamento e acompanhamento? Por que esses aspectos da tragédia não são pesquisados, nem discutidos?

5) Por que não têm sido ouvidos juristas competentes sobre os aspectos penais envolvidos em atos de jovens esquizofrênicos, mesmo que esses atos sejam chocantes, brutais e injustificáveis como os que abalaram a escola do Realengo? Se Wellington tivesse sobrevivido, ele poderia ser levado a júri e condenado à prisão? É correto tratá-lo raivosamente como “criminoso” e “assassino” como qualquer jovem normal e imputável, esquecendo seu prolongado e negligenciado sofrimento mental? A dor merecida pelas vítimas de sua insanidade e a solidariedade com os familiares dos alunos mortos e feridos devem impedir a solidariedade com os familiares do autor dos disparos e a compaixão pelo jovem que premeditou e executou o massacre e acabou sendo vítima de seus próprios atos tresloucados?

A tragédia do Realengo precisa ser debatida de forma séria e multilateral se a intenção for evitar a repetição de ocorrências semelhantes e não apenas disputar índices de audiência.

É preciso insistir: tudo que é humano é inseparavelmente individual e social. Inclusive a loucura e suas consequências. O capitalismo contemporâneo incentiva, mais do que nunca, o individualismo, a competição, a insensibilidade. Exalta os vencedores e despreza os derrotados. Pode queixar-se de colher os frutos de seu darwinismo social?

Internem a Globo? O locutor William Bonner anunciou ontem à noite (11/04) em tom dramático pelo Jornal Nacional, transmitido pela Rede Globo para todo o país, que o “homem” que assassinou “covardemente” alunas e alunos da escola carioca Tasso da Silveira mantinha contatos com um grupo “terrorista” supostamente islâmico, insinuando que esse grupo o poderia ter influenciado a planejar e executar o ataque sangrento à escola.

Era o que faltava. A Globo encontrou a linha ideal de investigação policial para tentar impedir qualquer discussão séria e abrangente sobre as causas que levaram à tragédia do Realengo e para deslocar as responsabilidades por essa tragédia da direita para a esquerda do espectro político. Nada de falar na esquizofrenia do jovem Wellington de Oliveira, nem na falta de apoio e tratamento que agravou sua enfermidade. Nada de recordar as perseguições e humilhações que sofreu quando era aluno da escola atacada. Nada de mencionar as informações sobre armas e massacres que podem ser acessadas facilmente na internet. Nada de aludir à cultura de individualismo, competição e insensibilidade disseminada pelo capitalismo contemporâneo. Nada de referir-se aos filmes, jogos e exemplos de truculência e crueldade que vêm dos Estados Unidos e das outras potências imperialistas. A grande questão passou a ser, para a Globo, os contatos de Wellington com um alegado grupo “terrorista”, que pode nem ser real, mas criado pela imaginação doentia do jovem.

Acresce que para os monopólios capitalistas de informação como a Globo a palavra “terrorismo” abarca tanto os atos de terror propriamente ditos e as organizações que os praticam quanto à resistência armada de povos oprimidos, como o palestino. Em contrapartida, para esses monopólios da informação, Estados, exércitos e partidos como os de Israel e dos Estados Unidos, que bombardeiam e devastam outros países e assassinam seletivamente seus líderes, não praticam o terrorismo. Assim, ao tentar envolver um suposto grupo “terrorista” nos atos tresloucados do jovem Wellington, a Globo busca comprometer setores que a população costuma considerar de esquerda no massacre justificadamente repudiado.

No esforço para montar essa versão tendenciosa, a Globo não se constrangeu sequer com uma objeção de simples bom senso: por que algum grupo terrorista, de direita ou de esquerda, teria interesse em insuflar um ataque à modesta escola municipal de bairro periférico do Rio de Janeiro?

Para revestir de alguma credibilidade a insinuação, o Jornal Nacional ouviu o ministro da Justiça que se prestou a declarar que a Polícia Federal apoiará todas as linhas de investigação da Polícia Civil do Rio de Janeiro, inclusive a do alegado envolvimento de grupo “terrorista” com as maquinações do jovem Wellington de Oliveira. O que não consegue a poderosa Globo?

6 comentários:

  1. Caro Chassot,
    O que salta aos olhos diante dessa tragédia é a displiscência e a pouca seriedade que são tratados casos como esse de Realengo. Não faltam autoridades para declarar na telinha que: "trata-se de uma caso isolado". Afinal todos os casos não são, por definição, isolados? Caso, no singular, já isola o evento e o coloca em destaque, então SEMPRE é isolado. Outra coisa, o articulista Durte Pereira, elaborou com competência sua matéria, contudo, "forçou" um pouco para culpar o capitalismo e deixar implícito que numa sociedade socialista isso não aconteceria. Tenho minhas dúvidas. Por outro lado, um texto que consegue despertar tantas perguntas é, sem dúvida, um texto de qualidade. Abraços, JAIR.

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  2. Jair, meu muito estimado colega de blogares,
    concordo com a tua observação: Duarte Pereira (que soa como donatário de Capitânia hereditária) foi coerente – e a mim encanta a coerência – e não se despiu de seus óculos de ex-dirigente da Ação Popular. Claro que lhe cabia ferretear o capitalismo (e silenciar a cerca do socialismo). Concordo contigo que também no socialismo deva ocorrer tragédias semelhantes, mas certamente não teríamos uma rede privada hegemônica e privilegiada com o fornecimento exclusivo de peças do processo pela policia do Estado.
    O sectarismo no texto me fez quase descartá-lo. Disse-me então, meus leitores têm discernimento é saberão lê-lo. Acertei em cheio com aquele que postou o primeiro comentário.
    Obrigado, para aquele que com pertinência edita um blogue que pensa,
    attico chassot

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  3. Caro Chassot,

    a matéria é interessante, mas concordo com o Jair: há uma ênfase para culpar o capitalismo (e absolver o socialismo?).

    Meu comentário é no sentido de que esse episódio não é isolado porque nada que aconteça num grupo social pode ser isolado.

    Como sociedade vivemos uma doença chamada "medo". É o medo de enfrentar as situações do cotidiano com a profundidade de quem analisa por todos os prismas. A imprensa, normalmente preocupada (e comprometida) com os seus patrocinadores tende sempre a fazer uma reportagem superficial e se posicionar à moda clerical - nem tanto à terra, nem tanto ao céu (mais sobre o "muro").

    Tratar o assunto de Realengo com profundidade envolve investimentos diversos, tanto financeiros como sociais - parece que não há vontade (política) para tanto.

    Um abraço,

    Garin

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  4. Meu caro colega Garin,
    sobre a posição de Duarte Pereira, na resposta que dei ao comentário do Jair, (que recebe cópia desta resposta) destaco quanto foi e não se despiu de seus óculos de ex-dirigente da Ação Popular. Adiro a tua trazido, no título que dei a blogada: Nada que é humano é somente individual. Olhar realengo nesta dimensão é algo exigente. É complexo, difícil e perigoso sair de cima do muro.
    Prelibando nosso seminário de amanhã, a admiração e o agradecimento do
    attico chassot

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  5. no final da tarde deste acontecimento,eu ainda na ignorância, fui abordada por um Pastor que me convidou a orar pela tragédia. Estava saindo do trabalho, nervosa pela briga entre dois alunos. Por um instante pensei: nossa, como este senhor sabe do que se passou lá na escola?? Soube depois que estava se referindo ao caso do Rio. Mas para mim, encarar e pensar planos ás constantes desavenças entre os jovens da escola poderá evitar casos como este.

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  6. Marília querida,
    impressiona-me a coincidência.
    Fantástico o teu relato. Essa é ‘a escola nossa de cada dia’;
    UM afago com esperança do

    attico chassot

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