TRADUÇAO / TRANSLATE / TRADUCCIÓN

segunda-feira, 23 de junho de 2014

23.- ROSE MARIE MURARO (1930-2014)


ANO
 8
MORREU ROSE MARIE MURARO
1930 — 2014
EDIÇÃO
 2813


Havia pautado falar hoje acerca da Noite das fogueiras. Tenho evocações desta noite da vigília da festa de São João. Há razões: minha infância e juventude foi em Montenegro, cujo orago é São João Batista. Véspera de feriado, kerb e fogueiras marcavam esta noite de 23 de junho. Mas evocações são preteridas. Na madrugada de domingo uma notícia que nos entristeceu.
Morreu Rose Marie Muraro — um dos nomes mais significativos do movimento feminista no Brasil. Certamente foi uma das escritoras mais importantes no meu aprendizado acerca das discriminações impostas as mulheres e foi fonte de inspiração muito significativa quando escrevi o livro A Ciência é masculina? É, sim senhora!
Ela faleceu neste sábado, aos 83 anos, em consequência de problemas respiratórios. Há cerca de 10 anos era vítima de câncer na medula óssea e, desde o dia 12 deste mês, estava na CTI do Hospital São Lucas, em Copacabana. No dia 15, entrou em coma e acabou acometida por uma infecção. Foto de Márcia Foletto /28-01-1992 em www.oglobo.com
Rose Marie aprendeu desde cedo a lutar contra as dificuldades, físicas e sociais, com força. Nasceu praticamente cega, e somente aos 66 anos conseguiu recuperar parcialmente a visão com uma cirurgia. Estudou Física, foi escritora e editora de livros, assumindo a responsabilidade por publicações polêmicas e contestadoras.
Em longa carreira como editora, Rose Marie 1.600 livros na editora Vozes e, mais tarde, na Rosa dos Tempos (filiada à editora Record). Recordo, particularmente, quando na década de 70, enquanto fui livreiro em um uma atividade social, mais de uma vez a encontrei na filial da Editora Vozes de Porto Alegre. Mais de uma vez, então, a ouvi encantado.
Ao longo da vida, escreveu 44 livros — como "Os seis meses em que fui homem" (1993), "Por que nada satisfaz as mulheres e os homens não as entendem" (2003) — que venderam mais de 1 milhão de exemplares. Em 1999, ela contou sua história na autobiografia "Memórias de uma mulher impossível".
Recordo, de maneira especial, de uma de suas produções editoriais mais importante: Malleus maleficarum ou O martelo das feiticeiras. Este livro foi durante quatro séculos o manual oficial da caça às bruxas. Foi o documento que validou a decisão de levar milhares de homens e, muito especialmente, mulheres à tortura e a morte. Trata-se de um texto muito importante para a busca de um entendimento da cultura ocidental, especialmente quando se avalizam genocídios - sob entre outros pretextos de mulheres copularem com o demônio - quando era florescente o Renascimento e se formavam as nações modernas. Então, se tornam dóceis e submissos os corpos das mulheres quando se iniciava a era industrial. Vale referir, que mesmo que Malleus Maleficarum tenha sido escrito pelos inquisidores em 1484 e abençoado no mesmo ano em bula do Papa Inocêncio 8º, em seu primeiro ano de pontificado, no Brasil é editado nos anos 90. A Editora Rosa dos Tempos contemplou a edição brasileira com uma cuidadosa introdução histórica de Rose Marie Muraro.
O teólogo Leonardo Boff trabalhou ao lado de Rose Marie entre os anos 1970 e 1984, na teologia da libertação na editora Vozes, de onde foram afastados de seus cargos pelo Vaticano. Motivo: a defesa da teologia da libertação, no caso de Boff e a publicação, por Rose, do livro Por uma erótica cristã. Para Boff, Rose Marie estabeleceu inovações analíticas "sem precedentes" sobre o estudo da mulher. Parte significativa de seus estudos foram reunidos no livro "Sexualidade da mulher brasileira: corpo e classe social no Brasil" (1996), considerado um clássico.
“Ela introduziu a questão da classe social no estudo de gênero, ela foi a primeira mulher a estudar de forma sistemática a sexualidade da mulher brasileira a partir da situação ou classe social — diz Boff. — Ela inaugurou esse discurso, nem Freud ou qualquer analista europeu atingiram esse ponto. Tudo isso foi resultado de uma ampla e minuciosa pesquisa de campo”.
Juntos, Rose Marie e Boff assinaram, em 2002, o livro "Masculino / Feminino", onde investigaram juntos a relação entre os gêneros. Boff diz “A Rose elevou a questão do gênero a um novo patamar, pois não considerava o masculino e o feminino como realidades que se contrapõem, mas como instâncias fundamentais, onde cada um é completo em si, mas voltado para o outro, numa relação de reciprocidade e construção conjunta.
E, meio ao lamentar a perda, foi bom, nesta tarde de domingo, quando se realizava atos de despedida em cemitério no Rio de Janeiro, manusear alguns livros de Rose Marie Muraro. Esta é uma sentida homenagem a esta mulher excepcional. Obrigado, Rose Marie, foste importante para muitos de nós.

4 comentários:

  1. Querido companheiro, muito me emocionei com tua profunda e afetuosa homenagem a esta mulher que "fez diferença" no mundo! Também por escritos como o de hoje, muito te quero! Um beijo carregado de admiração. Gelsa

    ResponderExcluir
  2. Rose

    Rose Marie Muraro neste Planeta
    Lutou pelas mulheres bravamente
    Marcou o mundo com sua caneta
    E toda sociedade agora ressente.

    Há gente que nasceu para marcar
    Pessoas ímpares entre seus pares
    Brilham fortemente como luz solar
    Contudo se vão apesar do pesares.

    Vai Rose pra onde luminares vão
    Agora mulheres perderam o farol
    Que afastava a tétrica escuridão
    Mas com próceres tu estás no rol.

    Movimento feminino é tua feição
    E fostes um ser humano de escol.

    ResponderExcluir
  3. É importante ressaltar que os escritores nunca morrem, permanecem vivos em suas obras formando opiniões e levantando bandeiras. Resta-nos agradecer a vida ter-nos dado a chance da convivência em mesma época com tão brilhante criatura. As mulheres não perderam uma aliada, ganharam vários defensores simpáticos a sua obra.

    ResponderExcluir
  4. Vai-se desta vida uma guerreira, defensora do humano contra as desumanidades para com o gênero feminino. Fica o EXEMPLO, as ideias, suas obras. Rose Marie Muraro finalmente eterniza-se.

    ResponderExcluir